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Crônica: Brasil, 1964.

Foto do escritor: Editora Vila RicaEditora Vila Rica

por Adriano Silva


Quando eu tinha uns 7 anos, o pai do Carlinhos era o ídolo da molecada. Na casa do Carlinhos tinha um monte livros e discos que não tinha na minha casa, e o pai dele falava uns troços legais sobre liberdade e democracia.


Eu não fazia a menor ideia do que era democracia, e o meu pai falava pra eu não dar ouvidos sobre o papo de liberdade porque o pai do Carlinhos era artista e nessa gente não dava pra confiar.


Um dia o pai do Carlinhos foi tocar numa festa de estudantes e não voltou pra casa. No dia seguinte a mãe do Carlinhos também sumiu e ele ficou na casa da vó, que era na mesma rua. A vó rezava o dia todo para que os pais do Carlinhos não fossem pro pau de arara.


- Pai, o que é um pau de arara?

Meu pai arregalou os olhos e respondeu meio confuso:

- É um pau onde as araras pousam pra descansar.

Fui correndo contar pro Carlinhos pra ele ficar tranquilo que se os pais dele fossem pro pau de arara, seria pra ver as araras descansando, como um passeio no zoológico. Carlinhos chorou.


Pedi pro meu pai levar a gente pra ver o pau de arara que os pais do Carlinhos foram visitar. Ele ficou bravo e mandou que eu nunca mais falasse daquilo.

Não falei mais em casa, mas peguei vários livros na biblioteca da escola que falavam sobre araras. O Carlinhos me agradeceu, mas disse que não precisava.

Ele nunca mais foi o mesmo. Lembro que ele ficava sentado no degrau do portão por horas e horas, mas os pais dele nunca voltavam. Cheguei a perguntar pro meu pai porque a visita dos pais de Carlinhos tava demorando tanto. Meu pai me bateu.


Um dia eu descobri que Carlinhos não ficava lá esperando os pais voltarem porque sabia que eles não voltariam; ele ficava lá esperando a vez dele de desaparecer.


Foi numa manhã de agosto. Eu não vi quando levaram Carlinhos, mas quando não o vi no degrau já sabia que ele tinha ido embora.

Ele também nunca mais voltou.

 

Adriano Silva é formado em Letras, Especialista em Didática docente (IF-Sudeste), Mestre em Literatura e Crítica da Cultura (UFSJ) e Doutorando em Literatura modernas e Contemporâneas (UFMG) e autor do livro “Toda saudade que ficou em mim” com mais de 1.8 milhão de leituras no Kindle pela Amazon, seu lançamento mais recente é o Romance Vinte e sete de agosto. O escritor vive em São João del-Rei onde fundou a Editora Vila Rica juntamente com Kleber Souza.

 
 
 

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Valesia Araujo
Valesia Araujo
Sep 23, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Que texto 👏👏👏

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